terça-feira, novembro 30, 2010

Os amantes de Pont Neuf (Leos Carax, 1991)



Nem mesmo depois do lançamento recente do longa metragem Os amantes de Pont Neuf pela ótima distribuidora de DVDs Lume Filmes eu me interessei por ele a ponto de querer assisti-lo. Confesso que ele nunca me despertou tanto a atenção assim. Não sei dizer exatamente o motivo, talvez seja a capa do DVD com uma foto pouco inspirada ou o Pont Neuf do título – não é um nome que soa muito bem, convenhamos, ainda que se trate da mais antiga ponte de Paris! Tantos são os filmes que levam amantes em seus nomes... Talvez depois do excepcional filme do James Gray no ano passado, Amantes, achei que não havia mais nada a acrescentar ao assunto. Não sei... o fato é que no meu ranking de prioridades sempre havia outro filme “mais interessante” a ser apreciado.

Felizmente o ciclo de cinefilia proposto pelo Belas Artes nesse mês de novembro resgatou a carreira da atriz Juliette Binoche promovendo a exibição de quatro filmes dessa grande atriz, dentre os quais Os amantes... Calhou de eu estar de passagem por São Paulo na semana de exibição do filme (pra ver o show do Paul McCartney) e não resisti aos encantos da proposta: assisti-lo em película de 35mm.

Bendito seja o programador do ciclo! Meu pré-julgamento novamente se mostrou infundado. Essas descobertas – pelo menos da minha parte – revigoram meu entusiasmo pela sétima arte. Em 1991, ano em que o filme foi lançado, meu universo cinematográfico girava em torno apenas do que se passava no cinema norte-americano, dessa forma, referência de qualidade era sinônimo de Oscars. Tudo que se encontrava fora desse mundo eu desconhecia. Foi a Lume Filmes e sua fantástica coleção de títulos em DVD que me apresentou esse filme. Hoje me pergunto, porque demorei tanto para assisti-lo?

Só depois de vê-lo é possível compreender o culto que se faz a ele. Basicamente se trata do encontro entre dois seres errantes que se tornam amantes de maneira bastante improvável e experimentam situações dignas dos melhores sonhos. Não há espaço para a razão, quem dita a regra é a emoção. O enredo é bastante simples, a força do filme advém das inventivas imagens criadas por seu diretor, Leos Carax.

Depois de um início de cunho documental, com imagens fortes e bastante sóbrias o filme muda de registro - que será adotado pelo resto da projeção - a partir da famosa cena onírica em que a garrafa aparece maior do que os personagens (imagem reproduzida acima - Juliette Binoche e Denis Lavant). Daí em diante basta embarcar na loucura dos amantes de Pont Neuf e se deliciar com a Paris em festa de Leos Carax.

Duas observações: 1. sem esse filme não haveria Spike Jonze, Michel Gondry e Charlie Kaufman e 2. o final recria a melhor cena da fantástica obra-prima francesa L’Atalante (1931), de Jean Vigo.

Filmaço!

terça-feira, novembro 16, 2010

A arte de mostrar x A arte de ocultar


A decisão para a escolha dos filmes que fazem parte do quadro Sessão Pipoca do Programa Papo de Buteco é normalmente pautada pelos lançamentos cinematográficos de cunho mais comercial das salas de cinema de Ribeirão Preto. Vez ou outra partimos para um plano de seleção alternativo, já que nem sempre a matéria para as nossas discussões se encontra nos filmes em cartaz. Às vezes, recorremos aos DVDs.

Fiquei bastante satisfeito quando o Gilles sugeriu que o assunto a ser abordado no próximo programa fosse de caráter político – fomos afinal de contas recém libertados de uma exaustiva campanha eleitoral - e pra representar esse tema elegeu o documentário de João Moreira Salles, Entreatos (2004). Em pouco mais de um ano de Papo de Buteco - se a memória não me falha - este será o primeiro documentário a integrar a nossa programação. Além de o filme ser brasileiro, o que sempre me agrada em nossas discussões, acredito não haver titulo mais apropriado para o momento. Mesmo que eu já o tenha visto sei que meus colegas ainda não o viram, bem como a grande maioria dos telespectadores.

Coincidentemente, no dia em que definimos a programação, a TV Cultura passou logo após o programa Roda Viva (o entrevistado era o psicólogo Contardo Calligaris) o último documentário do lendário Robert Drew, A President to Remember (2008) – uma coleção de imagens de seus filmes que tiveram JFK como objeto. Mesmo sendo tarde não consegui desgrudar da televisão antes que o filme terminasse. Robert Drew e seus colaboradores, Albert Maysles (Grey Gardens, 1975) e D.A.Peenebaker (Don’t Look Back, 1967), revolucionaram o gênero documentário a partir do lançamento de Primárias (1960). Neste belo trabalho ele e sua equipe seguiram bem de perto as campanhas primárias norte americanas que levariam o candidato democrata John F. Kennedy à presidência dos EUA. Foi a partir da influência desse filme que João Moreira Salles resolveu documentar a rotina do então candidato Luis Inácio Lula da Silva um mês antes das eleições presidenciais de 2002.

Com a memória ainda fresca da campanha presidencial brasileira somada a experiência proporcionada por esses belos documentários fica uma lição preciosa: sempre desconfie do que vir. Os 50 anos que separam esses episódios, que coincidem com o período em que a televisão reinou absoluta, evidenciam a crescente banalização do uso da imagem. Foi-se o tempo em que a imagem era sagrada: uma vez captada e transmitida não havia porque duvidar da sua existência. O seu conteúdo não era questionado. Hoje parece não existir compromisso com o espectador; vale tudo, inclusive ludibriar o público. Atualmente, não há como enxergar os políticos senão como fantoches de publicitários que moldam seus produtos de acordo com a necessidade da clientela.

Ao gravar as imagens para a produção dos seus documentários Robert Drew e sua equipe se propuseram a não interferir no processo de filmagem, apenas registrar o que se passava diante dos seus olhos – nesse caso, a câmera. Isso conferiu ao material um grau de autenticidade jamais alcançado. John F. Kennedy não interagia com a câmera, nem parecia se dar conta da sua presença. Lembremos que em 1960 a TV não era a mídia predominante, o rádio ainda ditava as regras. O marketing visual engatinhava, surgiria depois dessa campanha. Hoje o registro da imagem já não é mais de domínio exclusivo da mídia, até os celulares dispõem de câmeras digitais. Em Entreatos, o candidato Lula interage diversas vezes com a câmera, se dirige a ela, conversa com o espectador. Sua persona foi desde sempre moldada pela TV. Ao longo da sua carreira política ele “interpretou vários Lulas”. Em 2002, especialmente, a despeito de suas inegáveis virtudes como orador e líder, talvez tivesse sido impossível alcançar o posto máximo da carreira política sem os floreios de linguagem, postura e imagem proporcionados pela assessoria de marketing de sua campanha. O Lula do discurso ríspido, extremo e radical deu espaço ao famoso “Lulinha paz e amor”.

Existe uma ótima cena em Entreatos, esclarecedora da influência do marketing sobre os processos eleitoreiros, em que acompanhamos os bastidores de um debate televisivo. Enquanto os candidatos se digladiam na arena montada pela emissora de TV, os assessores de Lula monitoram as reações de um grupo de eleitores de tal forma que a sua conduta ao longo do programa sempre corresponda aos anseios deles. Supondo que esses eleitores representem a grande maioria dos telespectadores, a ideia é que o candidato se comporte sempre de modo a agradar o público. Isso contribui para esvaziar o conteúdo do discurso e valorizar a encenação do protagonista.

Em tom mais saudosista e muito bem humorado O último hurrah (1958), de John Ford, acompanha a última eleição de um candidato que não compreende mais as mudanças pela qual o mundo passa. O filme já anunciava o que as campanhas viriam a se tornar.

sexta-feira, novembro 05, 2010

34ª Mostra de Cinema Internacional em São Paulo

Apesar de dispor de apenas três dias para usufruir das centenas de opções que a Mostra de São Paulo oferecia, acredito ter feito boas escolhas durante o feriado de finados. Acabei completando a programação com alguns filmes em cartaz que certamente não chegarão aos cinemas de Ribeirão Preto. Meu único critério foi evitar filmes mais óbvios que já haviam garantido suas distribuições no circuito brasileiro. Ainda assim, como sempre, aquela sensação de que teria sido possível encaixar alguma coisa a mais na programação permanece. Fica pro ano que vem.

Arcadia Lost (2010), de Phedon Papamichael (GRÉCIA)

Parece-me uma boa idéia - não necessariamente nova - que não recebeu um tratamento à altura. Apesar de o diretor ser o fotógrafo de vários sucessos recentes – Sideways, À procura da felicidade, Johnny & June, etc – é no trabalho de câmera que o filme peca ao não conseguir criar a atmosfera requerida para dar conta do recado. Dá pena ver Nick Nolte se esforçando para tentar conferir alguma credibilidade ao filme. Em vão.

Eu matei minha mãe (2009), de Xavier Dolan (CANADÁ)*

Estréia promissora do jovem canadense Xavier Dolan como protagonista, escritor e diretor aos 22 anos. Apesar dos excessos do seu estilo um tanto quanto afetado, o filme é forte e constrói uma densa relação conturbada entre mãe e filho. Provavelmente será o filme a ser adotado pela geração dos anos 90. Obrigatório para toda a família. A Mostra trazia o segundo filme de Dolan, Os amores imaginários (2010), mas resolvi aguardar a sua estréia em circuito comercial.

O último cartucho (1917), de John Ford (EUA)

Esse deve ter um post só pra ele

Contos da Era Dourada (2009), de Cristian Mungiu e outros (ROMÊNIA)*

Esses romenos me surpreendem cada vez mais. São seis episódios dirigidos por Mungiu – 4 meses, 3 semanas e 2 dias - e seus convidados a partir de “lendas” da época de Nicolau Ciaucesco. Os episódios são filmados em tom bem alto astral, debochado e irônico. Os dois primeiros – das garrafas e das galinhas – terminam em tom amargo. Nenhum dos seis questiona a causa de forma direta; as pessoas não tinham escolha, elas simplesmente tentavam sobreviver sob o regime. Hilário. Lembra um pouco os filmes de Emir Kusturica.

Memórias de Xangai (I wish I knew, 2010), de Jia Zhang-Je (CHINA)

Toda vez que assisto a um filme de Jia me dá uma vontade tremenda de conhecer a China. Ninguém filma a China como ele. Ninguém filma os chineses como ele. Esse é o típico filme formatado para ser visto no cinema. Não cabe na tela da TV. Uma pena que eu não tenha conseguido ver o documentário China (1972), de Michelangelo Antonioni. Também fazia parte da Mostra. Os dois devem formar um díptico perfeito.

Caterpillar (2010), de Kôji Wakamatsu (JAPÃO)

O Japão e seus demônios da Segunda Guerra Mundial. O filme é sufocante ao extremo, o diretor não poupa o espectador. Não é pra menos: um combatente volta da guerra sem braços, pernas, surdo e mudo. Sobrevive sob os cuidados da esposa que é pressionada pelo povoado a exercer suas funções domésticas: dar de comer, de beber e fazer sexo. O resultado é surpreendente.

Aurora (2010), de Cristi Puiu (ROMÊNIA)

Mais um romeno. O tom minimalista de Polícia, Adjetivo (2009) prevalece. Confesso que as três horas de duração afetaram meu juízo tanto que dei uma avaliação regular, 2 – a Mostra convida seus espectadores a avaliar os filmes selecionados, de 1 a 5, na saída das sessões. Um dia depois, o filme não sai da minha cabeça. Quem filma uma cena em que uma senhora descasca dez batatas sem cortes de filmagem? Em casa talvez eu tivesse assistido ao filme em capítulos, o que prejudicaria a percepção do tempo que ele tanto preza. Não sei se assistiria de novo, mas gostei da experiência.

Um homem que grita (2010), Mahamat-Saleh Haroun (CHADE)

Uma grande descoberta. Filme com cara de pequeno, aparentemente simples e com poucos personagens em cena. Com limitados recursos em mãos e um talento enorme para sugerir que se veja além daquilo que é mostrado, o drama de uma família do Chade representa o drama do continente africano. Chora-se não pelo filho que o pai perdeu, mas pelos filhos que a África perdeu e pelos filhos que há de perder. O horror, o horror.

* Filmes que estavam em cartaz em São Paulo

Parabéns aos organizadores da Mostra. Do pouco que consegui acompanhar, a organização estava impecável.