domingo, dezembro 26, 2010

Carancho (Pablo Trapero, 2010)


Prefiro o nome original do filme de Pablo Trapero, Carancho (2010), ao título em português que lhe foi dado, Abutres. Mesmo desconhecendo o significado da palavra em espanhol – abutres não é tradução -, me parece que ela soa mais forte.

Não foram poucos os momentos em que pensei estar assistindo a uma versão atualizada de Sindicato dos Ladrões (1954), de Elia Kazan. Está, essencialmente, tudo lá: a máfia, o colaborador em crise de consciência, a mulher fragilizada que redime o protagonista. Da Nova York pós-guerra dos anos 50 à Buenos Aires falida dos anos 2000; da corrupção no sindicato dos estivadores, na primeira, às indenizações milionárias às vítimas dos acidentes de automóveis, na segunda. Em ambos, um forte drama político de cunho social. No argentino, claras influências do cinema policial norte americano.

O talento de Trapero é indiscutível, seu manejo da câmera é invejável. Pena que à medida que o romance dos protagonistas ganha relevo, o filme perca em interesse. Enquanto as imagens se esforçam para dar forma à intrincada trama que envolve os personagens o filme flui. Quando as amarras do roteiro se afrouxam e tudo se esclarece – do meio em diante –, o gênero policial se impõe: torturas, mortes, ameaças e perseguições. Trapero é quem segura as pontas.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Todas dimensões de Bassano Vaccarini (Hossame Nakamura, 2010)



Reproduzo abaixo o texto veiculado no jornal A Cidade de ontem a respeito do documentário Todas Dimensões de Bassano Vaccarini, do amigo Hossame Nakamura. A matéria traça um perfil do documentado/personagem por meio de uma entrevista com o diretor do filme.

Como disse a Hossame, pra quem, como eu, não cresceu em Ribeirão, o filme cumpre um papel importantíssimo: apresenta ao público esse grande artista que deixou sua marca em várias partes da cidade e da região. Um homem apaixonado pelo seu ofício e dotado de uma leveza de espírito contagiante. Suas obras transparecem isso. Salve Vaccarini!

Por Regis Martins

Se Bassano Vaccarini tivesse ficado em São Paulo ao invés de mudar-se para Ribeirão Preto em 1956, sua fama teria sido maior? Esse é o tipo de pergunta que o documentário "Todas Dimensões de Bassano Vaccarini" não responde, porém lança luz sobre a importância do homem que mudou as artes plásticas no interior.

Quando deixou a Itália, no final da Segunda Guerra Mundial, e chegou a São Paulo, Bassano fez parte de um grupo que revolucionaria o teatro nacional, o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), que incluía nomes como Cacilda Becker, Walmor Chagas, Ziembinski, Franco Zampari, Gianni Ratto e Paulo Autran. Como cenógrafo, participou de montagens que fariam história.

Porém, convidado a vir para Ribeirão na comemoração do centenário da cidade, nunca mais deixou a cidade.

"As pessoas não fazem ideia de que Vaccarini já era um nome conhecido em São Paulo antes mesmo de chegar a Ribeirão. Mas ao vir pra cá, ele preferiu levar uma vida mais parecida com aquela que tinha na Itália", conta Hossame Nakamura, diretor do documentário.

Selecionados

O trabalho, que vai ser apresentado nesta quarta-feira (15) na Casa da Cultura, foi um dos selecionados no Programa Incentivo Cultural da Secretaria Municipal da Cultura. O prêmio foi de R$ 20 mil.

Com uma equipe minúscula, Hossame começou as gravações em abril passado, quando entrevistou o artista plástico e professor Dante Veloni. Ao todo, falou com 21 pessoas entre amigos, alunos, especialistas e a família Vaccarini, formada pela viúva Maria Inês e a filha Daniela, que vivem em Altinópolis.

"Daniela me ajudou inclusive no roteiro de produção. Fui muito para Altinópolis para me aproximar da família", conta.

O diretor reuniu várias imagens de arquivo do artista. Conseguiu imagens inéditas cedidas pela família, por fãs - como a artista Marina Braghetto - e pelo Museu da Imagem e do Som de Ribeirão.

"Eu me concentrei muito na pesquisa. Entre entrevistas e arquivo, reuni mais de 40 horas de material", afirma.

Cenas raras

Entre as cenas raras, Hossame conseguiu um filme de 16 mm com imagens de Vaccarini trabalhando em casa. O material foi cedido pelo Museu da Imagem e do Som. O diretor também teve acesso aos curtas-metragens que o artista plástico produziu com o fotógrafo Tony Miyazaka e o escritor e roteirista Rubens Luchetti.

"Mas não foi fácil editar tudo isso. Tive que criar uma identidade visual com material de padrões visuais muito diferentes. E para conseguir isso também tive que negociar muito", conta, referindo-se às pessoas que ficavam reticentes em ceder o acervo.

Entre roteirização, pesquisa, gravações e edição, foram oito meses de trabalho árduo. Metade deste tempo foi dedicado à edição que resultou num documentário de 49 minutos. Hossame conta que optou por não usar nenhuma reportagem veiculada sobre o artista, até para não ter problemas futuros de uso de imagem.

Porém, neste vasto material, não faltaram trechos dos filmes nos quais Vaccarini trabalhou. Ele foi responsável pela cenografia do western "Conflito em San Diego", gravado na cidade, e também confeccionou o monstro marítimo do clássico da pornochanchada "Bacalhau".

Para o diretor, o documentário não é exatamente uma homenagem, mas uma prestação de contas a um grande artista.

"Acho que foi uma forma de amenizar essa dívida e ao mesmo tempo reunir esse material que iria se perder. Quero deixar tudo isso disponível como material de pesquisa", avisa.

Bassano veio após a 2ª Guerra

Italiano de San Colombano Al Lambro, na região de Milão, ao norte da Itália, Bassano Vaccarini veio para o Brasil após a Segunda Guerra.

Chegou a Ribeirão Preto em 1956, a convite do então prefeito Costábile Romano, para organizar os festejos do centenário da cidade. E não deixou mais o interior.

Em Altinópolis, cidade da qual foi diretor e secretário de cultura, as esculturas estão presentes nas Praças do Trabalhador e do Encontro, no Ginásio de Esportes, na Prefeitura, na Casa da Cultura e, de forma mais notável, no Jardim das Esculturas.

Em Ribeirão Preto, seus trabalhos podem ser vistos no Alto do Morro do São Bento, no parque ecológico Maurílio Biagi e no Mercadão, na esquina da rua São Sebastião com a avenida Jerônimo Gonçalves.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

A Rede Social (David Fincher, 2010)


Logo após o término da sessão de A Rede Social havia um grupo de jovens caminhando a minha frente que comentava tê-lo achado muito longo – 121 min. Enquanto eu ouvia a conversa deles meio de esguelha meu pensamento voava longe de tão entretido que eu fiquei com o filme. Ao contrário desses jovens, eu perderia mais algumas horas assistindo ao drama dos novos bilionários retratados na tela.

Passados alguns dias da sessão, após algumas conversas com amigos, a gravação do programa Papo de Buteco e algumas tentativas de escrever um post a respeito do filme me convenci de que a melhor forma de apreciá-lo é abstraindo o Facebook da trama. Muito se discute a respeito da veracidade das informações, se Mark Zuckenberg é mesmo um monstro de pessoa, se Sean Parker é tão cool quanto aparenta, se Eduardo Saverin foi vítima de um complô, etc.

Encarar o filme como sendo a versão que esclarece os bastidores da construção do maior site de relacionamentos do mundo só faz esvaziar o seu conteúdo e discussão. A verdade é que talvez tudo tenha sido pior. Não importa. Essa “verdade” não se encontra nos “supostos” fatos que ele aborda, afinal de contas trata-se da versão de um dos envolvidos – o filme é uma adaptação do livro “Bilionários por acaso – A criação do Facebook”, do autor Ben Mezrich, cujo principal colaborador foi o brasileiro Eduardo Saverin, interpretado por Andrew Garfield. O intuito dos realizadores não era jogar luz sobre os acontecimentos; caso fosse, um documentário teria sido bem mais apropriado.

A questão que se coloca é: como abstrair o Facebook da trama se, até certo ponto, é ele que atrai o interesse do público? Confesso que não se trata de um exercício simples, ainda vivemos sob o impacto da sua invenção. O sucesso estrondoso do site de relacionamento é muito recente, e isso dificulta o distanciamento de juízo. O tempo se encarregará de estabelecer a melhor maneira de apreciá-lo.

O filme tem o mérito de nos aproximar dessa nova geração digital, de nos permitir conhecê-la, compartilhar de sua rotina, embora boa parte dos dilemas enfrentados pelos protagonistas seja floreado para o bem da ficção. Ele retrata soberbamente a busca pelo sucesso a todo custo e consegue dar voz àqueles que, outrora, foram marginalizados pela sociedade, os nerds. Por mais legítimo que seja ver jovens brigando por afeto e reconhecimento - basicamente é disso que trata o filme – é a ganância que planta o elemento da discórdia entre os envolvidos.

Peças publicitárias: o cartaz e o trailer

Ninguém presta muita atenção aos cartazes e aos trailers de divulgação de um filme. Pelo menos essa é a impressão que eu tenho. Ambos são tratados apenas como peças publicitárias. Uma pena. Eu sempre procuro chegar aos cinemas antes da sessão começar para poder assistir a todos os trailers. Sempre os encarei como parte do pacote. Minha esposa me condena por isso. Pra ela os trailers servem de desculpa para se sair de casa em cima da hora e não se perder a sessão. Lamento sempre que os perco. Ao longo dos anos passei a encará-los com mais seriedade, não apenas como um material de divulgação. Eu os considero um verdadeiro curta-metragem com uma linguagem visual própria. Pra mim, o trailer deve ser capaz de condensar a história, despertar a atenção do espectador, mostrar sem esclarecer e, se possível, existir por si só.

Escrevo isso agora porque desde a primeira vez que assisti ao trailer de A Rede Social, há uns três meses, fiquei extremamente curioso para ver o filme que surgiria a partir daquele apanhado de imagens e som. O trailer de A Rede Social é um primor de realização: consegue antecipar sem esclarecer o conteúdo do filme, e ainda ser conciso e abrangente em apenas 2m31s. É mais do que oportuno lembrar que David Fincher, o diretor do filme, sempre trabalhou com vídeo clipes e já colaborou com nomes como Madonna, Sting, George Michael e Aerosmith. Uma grande sacada foi a escolha da música: Creep, do Radiohead. Pra quem conhece a letra (reproduzida no final do post) sabe que ela expressa magnificamente as angústias de um jovem deslocado, solitário. Melhor ainda: a versão utilizada no trailer não é a original da banda na voz de Thom Yorke e sim uma mais melancólica cantada por um coral, sobretudo feminino, em tom fúnebre. Perfeito!!! A essência de todo o filme se encontra nesses breves dois minutos e meio.

A frase do cartaz oficial, reproduzida no início do post, “You don’t get to 500 million friends without making a few enemies”, é a sínteze perfeita do filme.


 
I don't care if it hurts
I wanna have control
I wanna a perfect body
I wanna a perfect soul
I want you to notice
When I'm not around
You're so fucking special
I wish I was special
But I'm a creep
I'm a weirdo
What the hell am I doing here?
I don't belong here.