sábado, abril 30, 2016

Os 20 filmes de cabeceira

O Sérgio Alpendre começou com a brincadeira em 25 de março, seguida pelo Ronald Perrone em 31 de março, e eis que praticamente um mês depois, enquanto eu fritava a cabeça para eleger os meus, publico a minha lista de 20 filmes de cabeceira.

Na abertura do seu texto de publicação da lista Perrone define o que seriam “filmes de cabeceira”: “Filmes de cabeceira, na minha visão, não tem necessariamente relação com qualidade, não são “os melhores filmes favoritos”, mas são produções que de algum modo tiveram um impacto pessoal, que arrebatam, são contextos na formação cinéfila, influenciam no modo de ver cinema e te acompanham pro resto da vida, independente de qualquer coisa…

Vamos ao que interessa.

A Boneca (Die Puppe, 1919), de Ernst Lubitsch
Embora o registro da minha infância esteja mais próximo de um Pialat (Infância Nua, 1969), esse filme estabelece no meu imaginário o verdadeiro gozo de uma infância ideal. Epifania pura.

Um dia no campo (Partie de campagne, 1936), de Jean Renoir
Assim que meu filho nasceu eu assisti um monte de curtas e médias metragens, já que os longas tinham de ser interrompidos constantemente para ampará-lo. Renoir tem uma penca de obras primas no currículo, mas essa jóia de apenas 40 minutos tem uma leveza de espírito, de mise en scène, de atuação, de ideias, de formalidades, etc... absolutamente inigualáveis.

Boêmio Encantador (Holiday, 1938), de George Cukor
O filme mais alto astral que eu conheço. Katharine Hepburn e Cary Grant estão insanos nessa clássica screwball comedy.

A Felicidade Não se Compra (It´s a Wonderful Life, 1946), de Frank Capra
Tem muito cinéfilo que torce o nariz para esse filme por causa da dose cavalar de sacarina. A simplicidade dele me arrebata e não resisto aos minutos finais com a presença do anjo Clarence (Henry Travers). Cristianismo puro sem o inconveniente da pregação religiosa.

Rashomon (Rashômon, 1950), de Akira Kurosawa
Quando eu descobri o verdadeiro significado da máxima de Nietzsche: "Não há fatos, apenas interpretações." Só que Kurosawa veio antes.

Umberto D. (Umberto D., 1952), de Vittorio De Sica
O sangue do Neo Realismo italiano corre pelas veias de Carlo Battisti. Uma aula de como explorar a condição miserável sem ser auto-complacente. Um dos grandes filmes que retratam a velhice (rivalizando de frente com Era Uma Vez em Tóquio, de Yasujiro Ozu e A Cruz dos Anos, de Leo McCarey).

Depois do Vendaval (The Quiet Man, 1952), de John Ford
A comédia de costumes de John Ford no coração da sua Irlanda querida. A versão cinematográfica do sonho idílico por excelência. Elenco em finíssima sintonia. A melhor parceria entre John Wayne e Maureen O' Hara.

O Homem dos Olhos Frios (The Tin Star, 1957), de Anthony Mann
Eu poderia ter escolhido outros westerns tão bons quanto. Não consigo lembrar-me de algum que trabalhe tão bem a figura do herói que discursa sobre a não violência e pratique a mesma à altura.

Deus Sabe Quanto Amei (Some Came Running, 1958), de Vincente Minnelli
O mais perfeito melodrama norte americano. Uma das melhores experiências que eu tive em uma sala de cinema. Obra prima absoluta.

Oito e meio (8 1/2, 1963), de Federico Fellini
Meu filme de cabeceira. Todos nós somos um pouco Guido Anselmo (Marcello Mastroianni).

Beijos Proibidos (Baisers Volés, 1968), de François Truffaut
Para o cinéfilo, Truffaut pode ser referência crítica ou cinematográfica. A odisséia completa de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) é digna de nota, oscilando entre a dureza de Os Incompreendidos e a leveza inconsequente de Beijos Proibidos. A escolha é difícil, pendendo para o elogio da distração em pleno despertar da consciência juvenil em Maio de 68.

Faces (Faces, 1968), de John Cassavetes
Os últimos 30 minutos dele são antológicos, Seymour Cassel tentando reavivar Lynn Carlin, enclausurados em um apartamento sob os efeitos deletérios da embriaguez. Cassavetes ainda faria outras sequências memoráveis, mas essa vale pela experiência do todo.

Onde os Homens São Homens (McCabe & Mrs. Miller, 1971), de Robert Altman
Quando eu o vi na programação do Cinemax na década de 90, eu não estava preparado para o impacto que o filme iria me causar. Embora eu já houvesse visto alguns poucos filmes de Altman, sendo Mash a maior referência, seu nome ainda não figurava no meu panteão de preferências. Daí pra frente foi só acompanhar os lançamentos e buscar as pérolas setentistas. Mesmo pra quem gosta de westerns não é pra todos os gostos.

Saló ou 120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 giornate di Sodoma, 1975), de Pier Paolo Pasolini
Ninguém sai incólume dessa experiência. Comecei a filmografia de Pasolini de trás pra frente, de forma que seus filmes anteriores não têm sido capazes de me causar o mesmo impacto que esse. Um soco na boca do estômago muito bem dado.

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977), de Woody Allen
A comédia romântica de Allen continua imbatível. O filme que estabelece seu despertar cinematográfico permanece atualíssimo. Meu parâmetro para o gênero junto com Se Meu Apartamento Falasse (Billy Wilder, 1960).

O Estado das Coisas (Der Stand der Dinge, 1982), de Wim Wenders
Como transformar uma experiência mal sucedida em um filme absolutamente genial. Condena o sonho americano ao mesmo tempo em que se nutre dele, numa relação ambígua de amor e ódio. Los Angeles nunca foi tão bonita.

O Dinheiro (L'argent, 1983), de Robert Bresson
Comecei assistindo os primeiros filmes de Bresson e de súbito pulei para seu último. Sua visão de mundo se tornou bem mais amargurada, menos esperançosa. Aos poucos me dei conta de que a realidade se abateu sobre ele. Assombroso como peça cinematográfica e como retrato fiel da nossa condição trágica.

A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street, 1984), de Wes Craven
Eu seria desonesto se não colocasse um filme de terror dos anos 80 na minha lista de cabeceira. Minha via de acesso ao cinema começou por aí. Nenhum personagem me causou tanto fascínio quanto o invasor de sonhos alheios, Freddy Krueger. Passei muita noite em claro por causa dele.

Fuga de Los Angeles (Escape from L.A., 1996), de John Carpenter
O melhor filme de ação já feito. Fiz um reconhecimento tardio da carreira de Carpenter aqui no blog, desde então convivo com a excelência de seus filmes que negligenciara por um bom tempo. De todas as suas produções, essa é a que eu levaria para uma ilha deserta.

Serras da desordem (2006), de Andrea Tonacci
Se eu tivesse que escolher o melhor filme feito a partir dos anos 2000, Serras da desordem encabeçaria a lista. Eu o vi numa sessão com a presença do diretor, que conversou conosco após o término da mesma, no templo do Cine Cauim em Ribeirão Preto. Nossas origens, contradições e condições (de homem e cidadão) cabem dentro desse filme imenso.