sábado, julho 16, 2016

Abbas Kiarostami (1940 - 2016)


Trecho do livro Caminhos de Kiarostami, de Jean-Claude Bernardet

O cinema de Kiarostami põe em dúvida o status da imagem – não na sua fisicalidade, pois assistimos com certeza as imagens projetadas. A dúvida incide sobre o que essas imagens representam, é uma incerteza constante. Num dos artigos mais importantes sobre a obra de Kiarostami, de título emblemático, “Kirostami´s Uncertainty Principles”, Laura Mulvey fala do fascínio de Kiarostami pelo cinema como um trompe l´oeil: cinema que é “ao mesmo tempo realidade e ilusão, gerando incerteza quanto ao que estamos vendo com os nosso próprios olhos”. François Niney (1991) comenta Vida e nada mais da seguinte forma: “É uma ficção trabalhada como documentário. As pessoas gostam de acreditar no que vêem, daí o interesse de embasar a ficção numa forma de documentário”. Mas não me parece ser assim que funciona o cinema de Kiarostami, ou não é assim que ele funciona da maneira mais instigante. Se o espectador acreditar no que vê e só, terá sido simplesmente enganado. Essa confiança, motivada por aparências de documentário, de uma filmagem que parece espontânea, é o momento inicial da relação com o filme. Logo em seguida a dúvida começa a se infiltrar, a confiança vira desconfiança sem que consigamos determinar se o que vemos estava aí espontaneamente diante da câmera de Kiarostami, ou se resultou de uma elaboração que não detectamos, embora a pressintamos. Só então o princípio de incerteza se instaura. É aí que se situa Kiarostami. Por enquanto.

Nessa indeterminação, o que importa não é se o material é ficcional ou documentário, ou se há um diálogo entre os dois. O problema não está aí, não está mais aí. Diante dos filmes de Kiarostami, ficção e documentário parecem categorias ultrapassadas que não permitem um discurso adequado sobre eles. É um dos aspectos da crise dos paradigmas. O que importa é a dúvida, é considerar indeterminado ou não conseguir determinar o que vemos e ouvimos. Com a coisa indeterminada, nossa relação será de suspeita ou de fascínio, um fascínio questionado pela suspeita, uma suspeita abolida pelo fascínio, em constante oscilação. Nossa relação com a coisa torna-se uma área de incerteza, um possível entre outros possíveis. Assim, nós, como sujeitos dessa relação, nos tornamos um possível entre outros.
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Kiarostami diz de si próprio: “Eu me considero mais como alguém que busca uma verdade do que um realizador [...] Luto em busca do verdadeiro (Libiot), de uma “verdade superior” – expressão utilizada por Kiarostami em entrevista com Jamsheed Akrami. “Por causa desta vida [na cidade], eu mesmo fui transformado num ser falso que não me agrada muito. Por isso, para fugir desse ser falso que me desagrada, parto pela natureza para reencontrar meu ser verdadeiro”.